Aruanda Vive: A Religião Brasileira que Carrega os Sonhos dos Povos Antigos

Aruanda Vive: A Religião Brasileira que Carrega os Sonhos dos Povos Antigos

Desde muito antes da chegada dos colonizadores, os povos indígenas das terras que hoje chamamos de Brasil já tinham uma profunda ligação com o espiritual. Entre os Guarani, por exemplo, havia uma crença muito forte em um lugar sagrado chamado Terra sem Males (Yvy Marã Ey). Esse lugar era descrito como um mundo onde não havia dor, fome, doença, guerra ou morte. Era um mundo perfeito, cheio de paz, onde as pessoas viveriam em harmonia com a natureza e com o divino.

Esse conceito da Terra sem Males não era apenas uma crença sobre a vida depois da morte. Era, também, uma busca real, concreta, que levava muitas tribos a caminhar por longas distâncias, em busca de um local na Terra onde pudessem viver de maneira mais justa e sagrada. Era uma jornada espiritual e física ao mesmo tempo.

Essa ideia ancestral de um lugar melhor, de uma morada de paz para os justos, não desapareceu com o tempo. Ela se transformou, se misturou a outras tradições e ressurgiu em novas formas — como acontece, por exemplo, dentro da Umbanda, com o conceito de Aruanda.

Aruanda: Morada dos Espíritos de Luz

Na Umbanda, Aruanda é conhecida como uma região espiritual, um lugar elevado, onde vivem e trabalham os espíritos que vêm nos ajudar. É de lá que partem os Guias Espirituais, como os Pretos-Velhos, Caboclos, Crianças, Marinheiros, Boiadeiros e Exus de Lei, entre outros.

Esses guias se manifestam nos terreiros com o propósito de orientar, curar, aconselhar e proteger os encarnados — ou seja, nós, que estamos vivendo nossa experiência na Terra. Aruanda não é um céu distante e inacessível, mas sim um plano espiritual ativo, dinâmico, repleto de vida e amor. É uma base de operações do bem, onde os espíritos trabalhadores se fortalecem para continuar sua missão.

Muitos dos adeptos da Umbanda têm origem ou ligação com Aruanda. Também é para Aruanda que muitos espíritos são levados após o desencarne, a fim de receberem tratamento, acolhimento e orientações em sua nova etapa de existência.

Assim como a Terra sem Males dos Guarani, Aruanda representa um ideal espiritual de paz, equilíbrio, justiça e comunhão com o sagrado. Mas na Umbanda, esse ideal não é apenas um futuro após a morte — ele pode e deve começar aqui e agora, por meio de atitudes, orações, rituais, mediunidade e prática do bem.

Umbanda: Uma Religião Brasileira

Nos últimos tempos, tenho notado muitas críticas a diferentes práticas e visões dentro da Umbanda. Algumas pessoas acusam a religião de se afastar das tradições africanas. Outras dizem que ela está distante demais dos indígenas, ou do espiritismo, ou até do cristianismo. Mas esses críticos parecem esquecer uma coisa fundamental: a Umbanda é uma religião brasileira.

Ela não é africana, embora traga muitos elementos das religiões de matriz africana.
Ela não é indígena, apesar de ter em sua alma o respeito e a força dos povos originários.
Ela não é espírita kardecista, mesmo usando conceitos como reencarnação e evolução espiritual.
Ela não é cristã tradicional, embora se inspire na caridade ensinada por Jesus.
Ela não é hinduísta, mas pode reconhecer e dialogar com a ideia dos chakras, do karma e da energia.

A Umbanda é tudo isso junto — e ao mesmo tempo, muito mais. O conjunto é maior que as partes. É uma religião de síntese, nascida da alma do povo brasileiro, miscigenado, plural, espiritual, aberto ao mundo invisível e sensível às dores da humanidade.

Aruanda além das palavras

Há quem se preocupe muito com a origem da palavra “Aruanda”. Alguns dizem que ela vem do quimbundo, uma língua africana. Outros tentam relacionar com nomes de cidades míticas ou com lendas antigas. Mas, para mim, o mais importante não é de onde vem a palavra, mas o que ela representa hoje na prática e na fé da Umbanda.

Aruanda representa a esperança espiritual do povo de axé. É o símbolo de um mundo melhor, não só para depois da morte, mas aqui mesmo, se vivermos com mais amor, mais respeito, mais humildade e mais caridade. É o espaço onde os guias se reúnem, onde estudam, se preparam, descansam e de onde partem para suas missões espirituais. Lá não existe arrogância, vaidade ou disputa por poder. Lá só existe a Lei Maior, a Justiça Divina, o Amor Universal e o conhecimento verdadeiro.

A força dos guias que vêm de Aruanda

Quando um guia espiritual incorpora em um médium dentro de um terreiro de Umbanda, ele está vindo de Aruanda. Ele se apresenta com uma forma simbólica — como a de um Preto-Velho, que traz a sabedoria dos antigos e o poder do amor paciente. Ou como um Caboclo, forte como a mata, que fala direto, com coragem e fé. Ou ainda como uma Criança (Erê), que chega leve, cantando e brincando, mas que traz ensinamentos profundos disfarçados de simplicidade.

Essas formas não são máscaras nem mentiras — são vestes vibratórias. O espírito escolhe se mostrar assim para se aproximar das pessoas, para ser compreendido, para trabalhar com mais eficiência nos níveis emocionais e espirituais da vida humana.

A Terra sem Males está em nós

Assim como os Guarani buscavam a Terra sem Males, os filhos de Umbanda buscam Aruanda. Mas, assim como os anciãos indígenas diziam que a Terra sem Males não estava no fim da caminhada, mas no modo como se caminhava, também podemos dizer que Aruanda não está apenas no alto do céu, mas no fundo do coração de quem faz o bem.

A verdadeira Aruanda começa quando uma pessoa decide não responder ao ódio com mais ódio.

Começa quando alguém se ajoelha diante de um Congá e oferece sua dor com fé.
Quando um médium se dedica de corpo e alma ao trabalho espiritual.

Quando um filho ou filha de santo ajuda o outro, sem vaidade, sem disputa, apenas com amor.

A Terra sem Males dos Guarani e Aruanda da Umbanda são expressões da mesma busca ancestral por um mundo justo, equilibrado, espiritual. Ambas falam de um plano onde reina o amor e a luz, onde os espíritos vivem em harmonia, e onde os que seguem o caminho do bem serão acolhidos.

Ao reconhecermos que a Umbanda é uma religião brasileira, feita da soma de muitas heranças, compreendemos que Aruanda não pertence a uma cultura só — ela é do povo que acredita no poder da caridade, da humildade e da fé.

Axé!

São Vicente, 31/07/2025


Manoel Lopes

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