Um caderno, uma caminhada e uma lição sobre o tempo certo das coisas

Um caderno, uma caminhada e uma lição sobre o tempo certo das coisas
Estou passando alguns dias em São José dos Campos, aproveitando para descansar e me reconectar comigo mesmo. A cidade é tranquila, cheia de praças bonitas e bem cuidadas, com muito verde por todos os lados. Como umbandista e filho de Oxóssi, sinto uma ligação especial com a natureza, e caminhar por esses espaços tem sido uma forma de me sentir mais próximo do meu Orixá, que representa a sabedoria, a busca e a força das matas.
Além dessas caminhadas, também costumo escrever sempre que me sinto inspirado. Gosto de registrar reflexões, pensamentos e ideias que costumo relacionar com os princípios da doutrina dos Sete Reinos Sagrados, uma base espiritual que guia minha vivência na Umbanda. Embora eu tenha acesso ao computador, ainda prefiro escrever à mão, no papel. Gosto de rabiscar, anotar palavras soltas, fazer setas e esboços. Esse processo me ajuda a organizar os pensamentos e a deixar a criatividade fluir com mais liberdade.
Mas desta vez, quando fui procurar meu caderno, percebi que não tinha trazido nenhum comigo.
Decidi sair para procurar um caderno e uma caneta em alguma loja próxima. Entrei numa daquelas lojas que vendem de tudo — o tipo de lugar que, em São Vicente, ainda chamamos de “loja de 1,99” ou “loja de produtos chineses”. A loja estava cheia, caminhei por todos os corredores, olhei com atenção, mas não encontrei nada. Nem caderno, nem caneta. Saí frustrado, acreditando que não conseguiria escrever durante os dias em que ficaria na cidade.
No dia seguinte, depois de mais uma caminhada por uma praça que fica em frente à mesma loja, algo me impulsionou a entrar novamente. Por um momento, pensei que era perda de tempo — afinal, eu já havia procurado em todos os cantos no dia anterior. Mas entrei assim mesmo.
Logo na entrada, fui atendido por uma funcionária simpática, que me perguntou se eu precisava de ajuda. Respondi que procurava um caderno e uma caneta. Ela prontamente me levou até um corredor, e para minha surpresa, lá estavam diversos cadernos e uma variedade enorme de canetas. Fiquei impressionado. Era exatamente o que eu procurava, e por incrível que pareça, era o único corredor que eu não havia entrado no dia anterior.
O que essa situação me ensinou
Voltei para a praça com meu novo caderno, sentei em um banco e comecei a escrever. Mas enquanto escrevia, fiquei pensando em como essa situação simples traz uma lição valiosa: quantas vezes na vida não fazemos a mesma coisa?
Procuramos por algo com muita vontade — uma resposta, uma ideia, uma solução — e, mesmo nos esforçando, não encontramos. Acreditamos que já exploramos todas as possibilidades, então desistimos. Mas, em outro momento, quando retornamos ao mesmo lugar com uma nova atitude ou com a ajuda de alguém, finalmente encontramos o que procurávamos.
Essa experiência me fez lembrar das vezes em que visitamos um terreiro de Umbanda com a esperança de receber uma orientação, uma palavra, uma energia que nos fortaleça. Às vezes, saímos achando que não aconteceu nada de especial. Mas quando voltamos numa outra ocasião, com o coração mais aberto, nos deparamos com exatamente aquilo que precisávamos ouvir ou sentir.
Também acontece com as pessoas. Conhecemos alguém, observamos um comportamento que não entendemos, e fazemos um julgamento precipitado. Criamos uma ideia daquela pessoa baseada em um momento específico. Mas, com o tempo, ao conviver mais, percebemos que estávamos errados. A pessoa que antes nos causava dúvida se revela uma presença valiosa em nossa vida.
Cuidado com os julgamentos
Esse episódio simples me levou a refletir sobre a importância de evitarmos julgamentos apressados. Vivemos em um mundo muito diverso, onde cada pessoa tem sua própria história, seus desafios e formas de se expressar. Quando julgamos alguém ou algo com pressa, corremos o risco de sermos injustos.
É fundamental ter cuidado ao formar opiniões sobre pessoas, lugares, religiões ou situações. Nem sempre conseguimos enxergar tudo à primeira vista. Às vezes, é preciso olhar de novo, com mais calma e mais empatia, para compreender de fato o que está diante de nós.
A vida é feita de aprendizados constantes. Todos nós temos pontos fortes e fracos, qualidades e imperfeições. Estamos todos em processo de crescimento e evolução. A espiritualidade, especialmente na Umbanda, nos ensina a enxergar o outro com respeito, paciência e compreensão. O julgamento rápido e a crítica vazia apenas criam barreiras, quando o que mais precisamos é de pontes.
O tempo certo
Outro ensinamento que tirei dessa experiência é que nem tudo acontece no momento em que queremos. Às vezes, é preciso voltar ao mesmo lugar, fazer o mesmo caminho, mas com outro olhar, para que algo se revele. Não é porque algo não deu certo de primeira que nunca dará. Às vezes, é só uma questão de tempo — o tempo certo das coisas.
Hoje estou aqui, escrevendo no meu caderno novo e digitando este texto com gratidão. Agradecido pela natureza que me cerca, pela caminhada tranquila, pela simplicidade da vida e pela sabedoria de Oxóssi, que me mostra que a busca faz parte do caminho, e que nem sempre o que procuramos está escondido — às vezes só estamos olhando na direção errada.
Se você estiver passando por um momento de dúvida ou frustração, lembre-se disso: talvez o que você procura esteja mais perto do que imagina, e só esteja esperando você voltar com o coração mais aberto e disposto a enxergar com novos olhos.
Que tenhamos sempre humildade para reconhecer nossos enganos, paciência para esperar o momento certo e sabedoria para aprender com as pequenas experiências do dia a dia.
Vou continuar rabiscando por aqui.
Axé a todos!
São José dos Campos, 08/08/2025
Manoel Lopes
Perfeito seu texto.
Um dos pontos da nossa evolução é realmente saber olhar, ouvir, processar o que acontece, para entender o que está a nossa volta e colocar em prática a empatia e humildade.
Agradeço sempre seus ensinamentos!
Axé para o Sr. Pai Manoel.