Provas aos médiuns – um momento de renovação da fé
Transcrevemos abaixo uma parte da Live realizada dia 14/10/2021, para o canal Tradição Macumba Brasil.
Este canal do youtube é dirigido por Pai Rogério de Ogum, que me convidou para falar sobre a Doutrina dos Sete Reinos Sagrados.
Nesta parte da entrevista, transcrita abaixo, comento sobre meu início na Umbanda, minhas dúvidas, dificuldades e experiências espirituais que fui submetido e que fortaleceram minha fé.
A transcrição da Live será publicada em duas partes, sendo a primeira parte publicada na revista deste mês.
Abraços,
Pai Manoel Lopes
Aqueles que quiserem assistir a toda entrevista poderão assistir pelo link https://youtu.be/3xNJgKTBO5k
Pai Rogério: Estamos aqui mais uma noite no canal Tradição Macumba Brasil para falar sobre as várias tradições umbandistas.
Como anteriormente eu já tinha feito um vídeo falando de algumas tradições dentre elas eu citei a tradição de umbanda dos sete reinos sagrados, então trago aqui Pai Manoel Lopes, que é quem traz essa vertente para gente, e vai explicar sobre ela.
Boa noite pai Manoel!
Pai Manoel Lopes: Boa noite Pai Rogério, minha benção para o senhor, meus respeitos, meu respeito também a todos que estão nos acompanhando e aos mais velhos.
Pai Rogério eu quero antes de tudo agradecer o convite, estou muito grato por ter me convidado para falar sobre a doutrina dos Sete Reinos Sagrados.
Nós já nos conhecemos há muito tempo, provavelmente uns 14 ou 15 anos.
É sempre muito bom falar sobre a umbanda.
Você sabe que eu gosto muito de conversar, bater papo, tratar de assuntos ligados a Umbanda, sobre todas as vertentes.
Eu acredito que sempre estamos adquirindo conhecimento, a todo o momento estamos aprendendo.
Aproveito sempre para aprender alguma coisa, eu aproveito toda oportunidade, que tenho, para aprender alguma coisa.
Quero agradecer essa oportunidade, esta abertura que o senhor me concede aqui no seu canal e também parabenizar o senhor pelo canal Tradição Macumba Brasil.
Eu tenho acompanhado alguns vídeos do canal e o senhor está de parabéns.
Tem bastante conteúdo no seu canal, eu acho também que é muito importante fazermos esta Live, para tirarmos dúvidas e esclarecer todos àqueles que querem seguir a umbanda ou outros ritos e cultos afro-ameríndios.
Eu vou começar a falar rapidamente da minha experiência na umbanda, o início da minha vida na umbanda.
O tempo passa muito rápido, hoje (2021) eu já passei dos 60 anos, já estou com 63 anos de idade.
Meu início na umbanda e algumas experiências mediúnicas
Mas eu comecei na umbanda muito jovem, com 17 anos, digo como médium de umbanda, portanto lá se vão 46 anos de macumba, de umbanda.
Sempre fui muito sensível, com 14 ou 15 anos eu já sentia muitas vibrações, desde garoto tinha muita sensibilidade.
Quando ainda era um moleque passei por várias experiências mediúnicas que acabaram me dirigindo para um terreiro de umbanda.
Isso foi lá no interior de São Paulo na cidade de Araraquara, eu me lembro bem!
Vou até aproveitar para contar algumas passagens, algumas coisas que eu não costumo falar normalmente em público, mas acredito ser útil aos mais jovens.
Normalmente comento sobre estes assuntos, quando faço cursos internos e falo aos médiuns do meu Terreiro.
Pode ser que tenha alguma pessoa assistindo e que esteja passando por experiências semelhantes.
Houve fases da minha vida, que eu tive muita dificuldade para dormir.
Eu era muito jovem, adolescente e quando ia dormir não conseguia dormir, passava a noite toda acordado.
Deitava e quando estava cochilando, de repente, eu tinha visões, apareciam vultos, lembro-me bem do rosto de um africano todo pintado, olhando para mim, com os olhos arregalados.
Eu acordava assustado, tentava dormir novamente e então vinham novas visões.
Aquilo se repetia por dias!
De repente eu via um grupo de negros amarrados a troncos, de ponta cabeça, sendo espancados, eu acordava suando, nervoso e não conseguia dormir.
Passava dias acordado, tendo essas visões.
Na época eu considerava que eram sonhos, pesadelos e perturbações espirituais.
Minha família toda era católica e não tinham nenhuma experiência no espiritismo e muito menos com a umbanda.
Então eu tive que aprender tudo sozinho.
Encontrei meu caminho espiritual sozinho, um caminho solitário.
Como mencionei sempre convivi com muitos fenômenos mediúnicos, desde garoto.
Lembro-me de outra ocasião, eu estava deitado, sonolento e de repente senti uma vertigem, uma tontura, um ligeiro arrepio e na sequência um perfume invadiu todo o meu quarto.
Esta experiência foi agradável, me senti muito bem.
Eu tive muitas experiências extrassensoriais, experiências mediúnicas.
Hoje eu sei exatamente o que era cada uma destas experiências, e todos estes acontecimentos foram fortalecendo minha fé.
No início fiquei muito assustado, depois eu fui forçado a buscar uma maneira de “tratar” aquilo que estava acontecendo comigo e prejudicando minha saúde, eu era muito jovem.
Você sabe como é, eu era jovem, gostava de sair com os amigos para curtir a noite, ir para os embalos, e de repente eu ficava mal, começa a vomitar, ter enjoos, e depois ficava a semana inteira ruim.
Eu me questionava – o que estava acontecendo?
Eu estava bem, não tinha nenhum problema de saúde, e porque me sentia tão mal.
Certa ocasião fiquei um mês inteiro passando mal, vomitando todos os dias.
Todo dia eu vomitava, tinha enjoos, era direto.
Minha família estava preocupada, meu pai me levava em médicos e todos diziam que eu não tinha nada.
Num certo momento, eu já estava cansado daqueles mal estar, até que uma conhecida, na verdade uma tia me convidou para ir num terreiro de umbanda lá em Araraquara.
Eu não sabia o que era umbanda.
Eu lia alguma coisa sobre espiritismo, gostava de ler livros espíritas, mas não frequentava um Centro Espírita.
Na verdade eu não gostava, nunca tinha ido a um Centro Espírita.
Como se diz, não era minha praia, naquela época eu não sentia nenhuma atração pela vida religiosa, mas eu gostava de ler livros espíritas, aquele assunto me atraía. Na verdade sempre me atraiu, desde muito jovem.
Então fui visitar o terreiro de umbanda, com minha tia, e nunca mais saí da Umbanda.
Eu lembro bem, que na primeira vez que eu fui ao terreiro, eu fiquei encantado.
O cheiro da defumação, o som dos atabaques, o Congá com as imagens, aquele movimento das entidades incorporadas, as sensações que a gente que é médium sente.
No primeiro dia que eu fui visitar o terreiro, passei pelo caboclo Chefe do terreiro (Caboclo Pena Roxa) e ele me girou e neste primeiro dia o Caboclo Mata Verde já chegou.
Caboclo Mata Verde que trabalha comigo até hoje, então foi uma sensação muito forte, lembro-me bem que ele me incorporou com muita força e levantou meu braço esquerdo para cima.
Eu não sabia o que era aquilo, aquela força que dominava meu corpo, não estava no programa, em nenhum momento pensei em seguir uma vida religiosa, não pensava nisso naquela época.
Ao mesmo tempo eu estava passando por várias experiências espirituais, muitas negativas ligadas a mediunidade, lembro-me que eu melhorei bastante dos problemas de saúde, após começar a frequentar as Giras.
Então comecei a frequentar o Terreiro, a ir nas Giras.
Não demorou muito, uns dois meses, e eu já estava incorporando bem o caboclo.
Então entrei para a Tenda e comecei a frequentar regularmente.
A Tenda estava começando as atividades, então eu participei praticamente desde o início da fundação da Tenda.
O nome dela é Tenda Espírita de Umbanda Pai Oxalá — comandada pelo Caboclo Pena Roxa, o nome da minha mãe espiritual é Dona Inês.
A Tenda existe até hoje, na cidade de Araraquara, interior de São Paulo.
Embora D.Inês já tenha idade, e esteja afastada, no momento tem outra pessoa que está comandando e agora, na pandemia, suspendeu as atividades.
Foi ali que eu comecei minha vida na umbanda. Eu nunca tinha pisado em outro Terreiro.
Na verdade eu conhecia alguma coisa de umbanda, mas nunca tinha entrado num Terreiro.
A xícara de café
Lembro-me de outra situação muito interessante.
Naquela época eu fazia o colégio, e como minha família havia se mudado para São Paulo, fiquei morando um período com minha tia e numa manhã logo após levantar eu fui tomar café na cozinha, eu estava sentado numa ponta da mesa e ela na outra, eu peguei a xícara de café para tomar, e senti uma ligeira tontura, me deu uma espécie de vertigem, levei a xícara de café até a boca e senti um perfume muito forte, o café estava todo perfumado, eu levei um susto e comentei com ela, passando a xícara para ela confirmar se realmente estava perfumado.
Passei para ela que também sentiu o perfume que tinha ficado impregnado na minha xícara de café, na xícara dela o café estava normal sem nenhum perfume.
Foi uma experiência muito interessante e comprovada por ela.
Nesta época passei por muitas situações que me deixaram intrigado, eu queria saber o que estava acontecendo, o que eram aqueles fenômenos.
Teve uma ocasião, eu era mais novo, fui com meu pai na casa de outra tia que residia em São Paulo, ela morava na zona norte de São Paulo, ela faleceu há pouco tempo.
O nome dela era tia Zezé, ela participava de um terreiro de umbanda, era um terreiro de umbanda tradicional, isso foi na década de setenta, acho que em 1972.
Eu fui com meu pai fazer uma visita para os tios que moravam em São Paulo, e minha tia fazia, de vez em quando, uma reunião na casa dela. Era na cozinha, eu me lembro.
As crianças não participavam, mas neste dia eu tive a oportunidade de participar de uma destas reuniões, na verdade eu tinha medo e evitava participar, este foi o primeiro contato que eu tive com alguma entidade da umbanda, eu devia ter uns 12 anos.
A linha dos baianos
A gira era na cozinha, era uma gira de baianos, ela trabalhava com uma baiana chamada Maria Antônia.
Era uma entidade muito forte, curou e ajudou muitas pessoas.
Tinham mais alguns médiuns, familiares, que incorporavam outras entidades, baianos, cangaceiros e boiadeiros.
Era um trabalho familiar que ela fazia lá na casa dela, eu lembro que a baiana me girou e falou para meu pai: “esse aqui tem o pé na umbanda”.
Este foi, na verdade, o primeiro contato que tive com a umbanda, mas eu era uma criança.
Quando a baiana me girou, quase incorporei um baiano, meu corpo balançou muito, fui pra todo lado dentro daquela cozinha…
Este baiano me acompanha até hoje. O nome dele é baiano Sebastiano.
Então esse foi o primeiro contato com a umbanda e depois lá em Araraquara, quando entrei para o terreiro.
Entrei para o Terreiro e fiquei; nunca mais me afastei da umbanda.
Fiz o desenvolvimento mediúnico e entrei para corrente do Terreiro.
Entrei para a corrente com muitas dúvidas, acho importante falar sobre isso, porque tem muito jovem que está pisando no terreiro agora e não sabe quase nada sobre a umbanda.
Existem também muitas dúvidas sobre mediunidade, muito preconceito sobre mediunidade consciente e inconsciente.
E quando a gente está naquela fase de desenvolvimento, você percebe tudo ao seu redor, você tem dúvidas, não sabe se é você ou se é a entidade.
Você sente aquela força que domina seu corpo, mas tem dúvidas.
Fiquei um ano na corrente e depois, seguindo o ritual da casa, fomos para mata para fazer o Amaci.
O dia da prova
Naquela época o terreiro fazia, todo ano, um trabalho na mata.
Eu nunca tinha ido, eu lembro que nós fomos bem cedo, a família tinha um sítio onde faziam os trabalhos de mata, e naquela mata existia uma clareira que era o lugar onde eram feitos os trabalhos espirituais.
Chegamos bem cedinho, acredito que era lá pelas 9 horas da manhã, o terreiro todo participou, inclusive os médiuns que estavam em desenvolvimento, junto com os médiuns mais antigos.
Eu já incorporava o Caboclo Mata Verde, já fazia atendimentos, mas sempre existia alguma dúvida em relação à incorporação.
Era eu ou o Caboclo?
Esta questão me preocupava bastante, pois eu era muito crítico comigo e não queria fazer nada errado.
Nesta época existiam provas para os médiuns; os médiuns passavam por algumas provas para saber se estava bem incorporado, hoje eu não faço provas para meus filhos, hoje é diferente, eu ensino, converso bastante com eles, procuro esclarecer as dúvidas.
Mas na época existiam as provas e eu não sabia disso, minha mãe de santo falava muito pouco com a gente.
Vou contar essa experiência que passei, foi uma experiência bacana, gosto de contar essa história porque pode servir para motivar quem está começando na umbanda.
Neste dia em que fomos ao trabalho da mata, minha mãe de santo falou para eu entrar na mata, escolher uma árvore e ficar aguardando.
Sem saber o motivo, entrei pela mata, acredito que caminhei uns 50 metros, até encontrar uma bela árvore, com as raízes frondosas, sentei ao lado e fiquei esperando.
O trabalho começou, chegou de início a linha dos caboclos, nosso terreiro era de caboclos e sempre eram eles que abriam os trabalhos.
Eu estava sentado, longe da clareira, esperando, sem saber o que ia acontecer.
De repente minha mãe de santo chegou incorporada pelo Caboclo Pena Roxa junto com seu cambone, para fazer o Amaci, fez a lavagem da minha cabeça, colocou a toalha, a cambone acompanhando e me orientou que assim que eu levantasse o Caboclo Mata Verde deveria chegar.
O Caboclo Mata Verde chegou, confirmou o nome, ponto vibrações etc…
A incorporação do Caboclo Mata Verde sempre foi muito forte, mas neste dia estava mais intensa.
Ele chegou e levou os braços para trás, como sempre fazia.
Eu estava incorporado, mas via e escutava, mas o caboclo exercia um domínio completo sobre meu corpo e minha voz. Eu não conseguia falar.
A caminhada no escuro
Na sequência o cambone falou — nós pedimos licença para o caboclo, mas vamos fazer um teste com o cavalo, porque faz parte do nosso ritual.
O Caboclo concordou, mas eu não sabia o que iria acontecer.
Cobriram-me com um saco escuro, que chegava até perto dos joelhos e que impedia minha visão.
Em seguida falaram para o Caboclo levar o cavalo até a corrente.
Neste momento minha fé foi colocada em dúvida…entrei em desespero!!
Nesta fase do desenvolvimento mediúnico você tem muitas dúvidas, a mediunidade é semiconsciente; eu não sabia onde estava naquela mata.
Era a primeira vez que tinha ido na mata, eu entrei distraído, pensei que era somente para escolher uma árvore para fazer um congá ou alguma coisa do tipo, talvez fazer uma oferenda, e agora eu estava vendado, sendo submetido a uma prova e sem saber onde estava e para onde ir.
Eu pensei e agora? Para onde eu vou?
Quando menos esperava meu corpo começou a mexer, virou para o lado, eu não estava enxergando nada, e começou a andar.
Comecei a andar no mato, na mata tinha muito cipó, muitas árvores, o cambono ia junto me acompanhando.
Eu fui andando, passadas firmes do Caboclo.
Eu estava muito inseguro, pensei meu Deus do céu, eu vou dar com a cabeça num tronco de árvore, vou me enrolar num cipó.
Como não tinha outra opção, me entreguei totalmente para entidade.
Pensei, agora é hora de se entregar.
Seja o que Deus quiser, e fui caminhando mata adentro.
Depois de alguns minutos caminhando, na verdade eu perdi a noção do tempo, o caboclo parou.
O cambone se aproximou e perguntou se era ali que ele ia ficar?
Caboclo Mata Verde confirmou que iria ficar ali naquela posição, na sequência o cambone removeu o saco que cobria minha visão.
Quando o cambone tirou aquele enorme saco eu pude ver onde estava.
Confesso que neste momento, devido a minha insegurança, eu pensei que ia ter uma grande decepção, pensei que estava perdido em algum lugar daquela mata.
Mas não foi isso que aconteceu!
Lá na mata tinha uma clareira onde todos estavam, onde estavam os médiuns incorporados, e todos estavam na corrente mantendo a posição de cada um, semelhante ao que fazíamos no Terreiro.
Todos estavam incorporados com seus caboclos.
Esta corrente de médiuns tinha um lugar reservado para mim, onde eu costumava ficar.
Quando abri os olhos, para minha surpresa, vi que o Caboclo Mata Verde tinha me levado exatamente naquela posição, eu estava exatamente na posição que costumava ficar dentro do Terreiro.
Foi muito emocionante!
Quando abri os olhos e percebi que eles haviam reservado aquele lugar e que o Caboclo Mata Verde tinha me levado exatamente para aquela posição; que eu tinha caminhado mais de 50 metros, de olhos vendados, sem saber para onde estava indo, e quando pude ver novamente que estava naquela posição não contive minha emoção, foi um momento de muita alegria. Minha fé e minha confiança na espiritualidade renovaram!!!
Não tenho palavras para expressar a emoção que senti.
Em seguida deram ordem para que o Caboclo Mata Verde, continuasse incorporado, durante todo o trabalho.
Eu estava com uma toalha branca, enrolada na minha cabeça, pois tinha feito o amaci e minha cabeça estava toda embebida no banho do amaci.
Nesta época, minha mãe de santo, utilizava bebidas no amaci, neste dia além das ervas, o amaci continha cerveja branca.
Hoje eu não uso nenhum tipo de bebida no amaci.
O amaci do Núcleo Mata Verde é bem diferente.
O trabalho espiritual na mata continuou, o Caboclo Mata Verde, incorporado, mantinha minhas mãos para trás, firme na corrente, ele me incorpora muito firme. A sensação que tenho é como se fosse uma rocha, é muito forte.
A prova de resistência
Já passava das 9:30 horas da manhã.
Eu estava incorporado pelo Caboclo e o líquido do amaci escorria pelo meu rosto, entrava nos olhos, ardia, queimava e eu não conseguia tirar as mãos que estavam para trás, o Caboclo tinha travado meus braços para trás.
Não conseguia mexer um dedo, não conseguia limpar os olhos!
Foi neste momento que percebi que ainda não tinha acabado minha prova.
Pensei, o jeito é ficar calmo e me concentrar.
O trabalho continuava e várias linhas chegaram, depois pararam para um lanche, e eu continuava incorporado.
O Caboclo me mantendo estático, imóvel, não andava, e nem mexia com as mãos e braços.
Como estávamos no meio do mato, existiam muitos pernilongos, mosquitinho pólvora, que andavam pelo meu braço, picavam, eu suava e o banho do amaci escorria pelo rosto.
Foram momentos difíceis, eu sentia os mosquitos picarem meu braço, e não podia coçar, passar a mão, nada.
Neste momento, mentalmente eu pedia para o Caboclo me ajudar, para aliviar a coceira, então eu sentia todo o meu braço adormecer, parava de sentir os mosquitos e isso aliviava bastante a coceira, eu também me entregava ao Caboclo e me desligava.
A Borboleta
O trabalho continuava, lá pela hora do almoço, quando eu menos esperava uma borboleta veio e pousou no meu rosto.
Ela passeava pelo rosto, pelo meu nariz, pela testa.
Ela sugava o líquido que escorria pelo rosto, eu não podia fazer nada!
O Caboclo, incorporado, continuava me mantendo estático, parado, firme, meus dedos não mexiam.
Foi mais um momento de desespero!
De repente um médium passa ao lado e comenta: Tem uma borboleta no rosto do Manoel, vamos tirar.
Alivio! Eu pensei, graças a Deus!
Finalmente alguém viu a borboleta e vai espantar.
No momento que se aproxima para espantar a borboleta, o cambono chefe fala: Não tira não! Pode ser mais uma prova!
Para meu desespero tive que continuar com aquela borboleta andando pelo rosto, durante um bom tempo e mais uma vez me entreguei totalmente ao Caboclo.
Foi um momento de muita firmeza, fé e entrega!
Para resumir essa história, o trabalho continuou durante toda a tarde.
Puxaram todas as linhas do Terreiro, descansaram, almoçaram, e durante todo o tempo eu fiquei incorporado, passando por estas experiências, sem beber um gole de água e sem comer nada.
Lá pelas 17:00 horas acabou o trabalho!
Eu tinha ficado quase oito horas incorporado, imóvel, fixo, sem mexer um dedo.
Um cambone se aproximou e avisou o Caboclo Mata Verde que ele podia subir.
Caboclo Mata Verde subiu e eu desabei…
Estava com dores por todo o corpo, principalmente nos ombros.
Estava muito cansado, com sede, mas foi uma prova muito importante.
O fortalecimento da fé
Ali naqueles momentos, eu tive certeza absoluta que existia algo mais, que a espiritualidade realmente existia.
Embora eu soubesse disso, já tinha passado por muitas experiências mediúnicas, tinha lido muitos livros espíritas, eu nunca tinha sentido na carne uma força tão grande.
Caminhar vendado pela mata, o Caboclo me levar pela mata até a posição exata, depois ficar incorporado e me segurando firme o tempo inteiro, o dia todo praticamente, sem descansar um minuto, sem sair daquela posição, firme que nem uma rocha, aquilo foi muito marcante para mim.
Resumindo, aquela prova, aquele dia de trabalho na mata me deu muita confiança, muita fé, muita firmeza!
Depois daquele dia minha incorporação mudou totalmente.
A partir daquela data, minha entrega ao Caboclo Mata Verde, passou a ser total.
Eu acho interessante lembrar desta prova. Hoje em dia muita coisa mudou, acho que a grande maioria dos Terreiros não fazem provas aos médiuns.
Eu não tenho certeza como é que está hoje em dia, mas eu não faço provas em meu Terreiro.
Os médiuns no Núcleo desenvolvem a mediunidade e não passam por provas, eu converso muito com eles, tiro muitas dúvidas, existe até uma estrutura rígida no desenvolvimento mediúnico, fazemos cursos etc…
Mais a frente, durante nossa conversa, eu vou explicar como é o desenvolvimento mediúnico no Núcleo Mata Verde.
Foi desta forma que comecei na umbanda!
São Vicente, 10/12/2021
Pai Manoel Lopes
Obs.: Texto publicado na revista UMBANDA nº36 de Dezembro/2021